O QUE ACONTECE DEPOIS QUE O AMOR CHEGA?
Valéria Sales
O que acontece depois que o amor chega? Digo, eu como mulher preta, não sei responder. Cresci tentando não romantizar a chegada do amor. De alguma forma, talvez através da observação das vivências de mulheres pretas como eu, admiti uma postura fechada, dizia que era por amor a mim, e a verdade que hoje consigo admitir, ainda doendo, é que aquela individualização era feita por medo. Eu tinha medo, ainda tenho.
Não aprendia a ser amada por figuras masculinas. O racismo atravessou a minha formação familiar também e ninguém explica que a culpa do abandono não é sua.
Cresci um corpo abandonado por uma figura masculina, o que me levou à estruturação de uma armadura. Por mais que a ideia do amor me atraísse de diversos modos, afastei todas as possibilidades de acontecimentos que me fragilizassem. Nada que me deixasse a mercê do abandono poderia ser incluído na minha vida.
Entender como o processo de escravidão do meu povo nos cerceou da construção sadia de qualquer relacionamento interpessoal que perpassasse pelo amor resultou nesse lugar atual de não-pertença, me trouxe a consciência de que seremos antepassados de alguém e o nosso papel enquanto povo é devolver aos nossos a habilidade de receber amor e dá-lo.
A relação conturbada com o amor atinge com diversos tentáculos a formação individual e coletiva do sujeito negro.
O lugar que eu quero chegar com esse texto é que, eu ainda não sei receber amor, não sei performar fragilidade. O povo negro ainda ta morrendo sem conhecer e viver o amor de forma plena e saudável e o fato de começar a falar em voz alta das nossas dores é revolucionário, amar dos nossos é revolucionário e, nos entendendo em comunidade como um organismo vivo, saber que aprender a lidar com esse sentimento possibilitará uma geração de um povo nosso que não precisará mais sobreviver apenas. Uma geração que entenda que força nada tem relação com a construção de um corpo desumanizado.
Para que o amor vire herança!
*Texto originalmente publicado no perfil do Instagram @ser_estar_preta com o título 'A relação conturbada com o amor atinge com diversos tentáculos a formação individual e coletiva da pessoa negra'.
Valéria Sales é graduanda em Licenciatura em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), integra o projeto de pesquisa da Juventude Sul Baiana e administra o perfil no Instagram @ser_estar_preta, que aborda pautas antirracistas.
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