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TARDA, MAS NÃO FALHA (CONTO)*

Atualizado: 30 de mar. de 2023


Helenna Castro


*Obra selecionada pelo projeto Farinha do Mesmo Saco, que reúne obras literárias de escritoras/es/xs lésbicas, bissexuais, pansexuais, sejam mulheres (cis ou trans), pessoas não-binárias, nascidas ou residentes do extremo sul há pelo menos 2 anos, maiores de 18 anos. O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura, selecionado no Prêmio Cultura na Palma da Mão, com recursos remanescentes da Lei Aldir Blanc, redirecionados pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal. O conto também foi selecionado pelo 3° Festival Universitário Baiano de Arte e Cultura (FUBA) da UEB na categoria "Mostras Literárias".



"Nasceu de punhos fechados e olhos bem abertos em um vilarejo minúsculo no sul da Bahia, Olga, a caçula de dona Quitéria. A menina foi criada pela mãe, pelas três irmãs mais velhas e por toda a gente que ali vivia. Aprendeu a bordar, a cuidar da horta e a cozinhar com Felipa, a primogênita. Com Dandara, aprendeu a pregar peças nas outras crianças, sem ser descoberta. Mas o que Joana, apenas três anos mais velha, ensinou-lhe mudou sua perspectiva de toda a realidade. Até então, a moçoila acreditava que seu vilarejo e a cidadezinha próxima, onde ia esporadicamente, eram todo o universo. Joana fora a única entre as irmãs que pôde frequentar a escola. Aos 10 anos, voltava da aula ansiosa para compartilhar o que tinha aprendido com alguém. Felipa e Dandara sempre estavam ocupadas com afazeres domésticos e a mãe há muito não tinha paciência para aprender novas coisas, cheia de si que era, Minha filha, tudo que eu precisei aprender da vida, já aprendi, ensine a sua irmã mais nova.

Olga, encantada mais pelas imagens que pelas letras, a princípio, logo pegou o jeito e escrevia seu nome sem esforço e enfeitando as letras. Daí em diante, começou a frequentar a cidadezinha para conhecer as coisas que os livros da irmã falavam. Apenas conseguiu permissão da mãe aos 13 anos para iniciar os estudos, muito embora já pudesse ler e escrever bem. Com o corpo já tomando forma de violão a contragosto, passou a ouvir de homens novos e velhos pelas ruas palavras que nunca tinha ouvido e a receber convites para coisas que ela não sabia do que se tratavam. Nunca fora próxima de macho algum e não tinha ideia de como reagir, tampouco entendia qual era o interesse deles nela.

Aos 15, já lera boa parte do acervo de sua escola e quando descobriu que a cidade possuía uma pequena biblioteca, passou a entrar de maneira furtiva e ‘sequestrar’ alguns exemplares, que devolvia depois de ter passado tempo suficiente com eles. Era o orgulho de Joana, que agora já havia partido para uma cidade maior atrás da tal Universidade de Jornalismo, da qual a família não aguentava mais ouvir. Há seis meses não a via, mas pensava nela todos os dias. Imaginava a irmã andando por ruas futurísticas, com construções altas e automóveis, como descreviam algumas das estórias que lia. Nos seus devaneios, Joana vestia roupas chiques, como a prefeita da cidadezinha e as pessoas a respeitavam. Tinha certeza que a irmã teria uma casa imensa e com azulejos azuis e brancos; uma biblioteca com estantes de madeira polida; e uma televisão, para ver gente dos quatro cantos do mundo. Olga confundia os sonhos que tinha para a irmã com os que tinha para si mesma.

Joana chegaria dali a algum tempo e já a esperava um almoço requintado preparado por Felipa e bananada preparada por Dandara. O quarto fora limpo com tanto afinco que a mãe elogiou o empenho de Olga e até sorriu. A irmã mais velha então solicitou que a mais nova colhesse alguns limões para que se preparasse um suco antes da chegada da familiar agora tratada como visita. No caminho para o limoeiro, a menina se recordou que a regressante sempre amou comida apimentada e estava certa de que não havia na cidade grande pimentas tão suculentas quanto as ali plantadas, então resolveu agregar esse sabor à mesa.

Ajoelhou-se diante do pé de pimenta e começou a selecionar as maduras. Tinha as pernas, as mãos e os pés sujos de terra, cantarolava uma canção alegre que aprendera há uns dias no rádio. O chão à sua frente estava lotado de pimentas quando Dandara, de vestido de chita e descalça, passou correndo ao seu lado clamando pela mãe. Largou, então, a colheita e saiu em disparada atrás da irmã, O que foi? me fala, Danda! Sua irmã desabou no chão, batendo os joelhos com força no barro, e se desfez em lágrimas quando alcançou a mãe em pé com as mãos na cintura, curiosa, já na porta da casa. Mataram Joana, mainha. Sangraram ela toda, na cabeça e no meio das pernas."



LEIA O CONTO COMPLETO:



Foto: Reprodução do Instagram @farinhadomesmosacoba.


Helenna Castro é Comunicadora Popular e integra o Coletivo Brasil Vermelho.

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