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A BOLHA

Erbson Cardoso

Foto: Alberto Korda.

Vivo em uma bolha, como num filme de ficção dos anos 80, por medo, por questões de segurança, sei lá, não sei como ela se formou, quando vi ela estava lá. No começo não me incomodava, dava pra ver as coisas lá fora, dava pra ser visto, interagir quando era conveniente e só. A bolha era legal e... aconchegante até. Depois descobri outras bolhas semelhantes a minha... Foi uma festa! Passamos a andar juntos, partilhar visões e sofrer com as dores do mundo. Um dia ficamos tão juntinhos que nossas bolhas foram fundindo-se e ao mesmo tempo o bolhão foi ficando mais espesso. A visão do mundo exterior foi tornando-se mais opaca e vozes já não eram ouvidas. Comunicação só entre os integrantes da bolha... Nesse limbo bolhal o estar e ser no mundo tornou-se fantasmagórico, uma coisa meio dramalhão Ghost e interferir no mundo (mesmo que fosse para mover uma simples moeda, exigia um esforço enorme, ficávamos exaustos!). Foi quando os seres rastejantes apareceram, na verdade eles sempre estiveram por ali, esgueirando-se pelos cantos, exalando o mau no pensar, no ser, no sentir... mas, apesar de também estarem em bolhas, conseguiam comunicar-se e agir em bloco. Havia um líder entre eles que cuspia blasfêmias enquanto erguia as mãos aos céus para o gozo dos seus. Um dia eles resolveram nos aniquilar, retirando a terra de uns, o direito de ser de outros, o oxigênio de alguns... E nós, de nossas bolhas, gritamos nos contorcendo em agonia. Mas ninguém nos ouvia, ao redor de nossa bolha agora erguiam-se muros de contenção e outras bolhas nos evitavam como leprosos, párias presos em guetos "esquerdistas", protestando dentro da bolha, sonhando com a revolução enquanto nos aproximamos do caos, a solução final. O que fazer? Como furar a bolha? Como mostrar quem somos se é que ainda somos e sonhamos com um amanheSer para todos? Como mostrar que não somos mais do mesmo, ou será que não somos mais os mesmos e nossa utopia cedeu lugar a projetos individuais de poder, onde ganhar a eleição tornou-se um FIM e não o MEIO para a Justiça Social correr o mundo e finalmente podermos plantar um jardim. Provocações, para nós que partilhamos o pão e por isso podemos nos chamar de companheiros.



Erbson Cardoso é diretor da rede estadual de educação e ativista social.

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