Movimento que organiza milícias rurais e persegue lutadores populares realizará Fórum Nacional em Ilhéus em junho
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Comissão Pastoral da Terra – CPT/BA
O “Movimento Invasão Zero” atua na região sul da Bahia desde 2023 e há indícios de que seja responsável pela perseguição e morte de lideranças populares, como da indígena Pataxó Hãhãhãe Maria de Fátima Muniz, a Nega Pataxó, em janeiro de 2024. Atualmente, opera em vários estados brasileiros.
O relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra, apontou a Bahia como o terceiro estado em número de registros; em 2023 foi o primeiro. As principais vítimas são os povos indígenas, os quilombolas e os sem terra. Na região sul do estado, os conflitos por terra e território vêm se acirrando nos últimos anos devido, principalmente, ao avanço do Movimento Invasão Zero.
Na microrregião “extremo-sul”, composta por 11 municípios, a maioria dos conflitos é com indígenas, principalmente do povo Pataxó, que vem sendo pressionado pelo avanço dos monocultivos de café e eucalipto e pela especulação imobiliária, por conta do turismo predatório. Milícias privadas são contratadas por latifundiários e empresários interessados em explorar as terras indígenas há décadas à espera por demarcação e titulação.
O “Invasão Zero” anunciou recentemente a organização de um evento na cidade de Ilhéus-BA, onde deve reunir fazendeiros, políticos e representantes patronais para discutir temas como o marco temporal das terras indígenas e a criminalização das táticas dos movimentos sociais. Entre os principais interessados no evento estão o setor exportador de celulose, setores da mineração e proprietários de grandes extensões de terras públicas.
Quem é o “Invasão Zero”
As políticas armamentistas e anti-indigenistas do governo Bolsonaro (2019-2022) incentivaram os ataques na região. Com sua eleição, setores interessados na exploração desses territórios reforçaram o movimento de ofensiva contra os povos originários, o que culminou na morte de diversas lideranças indígenas do povo Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe.
Nesse período, espalhou-se pelo Brasil uma onda de violência contra os povos do campo liderada por latifundiários e empresários do agronegócio e de outros setores, que se viram seguros para uma ofensiva assassina com o apoio de Polícias Militares e de políticos da extrema-direita.
A organização defende publicamente o direito à autodefesa armada de propriedades e é favorável à instituição do marco temporal. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), “a tese inconstitucional é usada como critério não só para a demarcação de todas as terras indígenas, mas também para as terras já regularizadas, que podem ter sua demarcação anulada com base na Lei.”
Segundo matéria do Repórter Brasil, o grupo foi formalizado em 2023 em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). Na ocasião, representantes do movimento ruralista afirmaram realizar “recuperação de terra”, reintegrações de posse ilegais, e de “estarem presentes em 200 municípios, coordenados por 16 núcleos regionais”. Entre os participantes, “além de dezenas de proprietários de terra, estavam presentes membros da FAEB, a Federação de Agricultura da Bahia, cujo presidente, Humberto Miranda, já se manifestou favorável à autodefesa das terras por parte dos próprios produtores rurais.”
Veja matéria da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FAEB): Produtores rurais baianos cobram ação do governo para coibir invasões no Estado
Direito à “autodefesa”: intensificação da violência no campo
Denúncias apontam ainda o envolvimento de policiais militares nas ações da organização. Segundo testemunhas do conflito na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, em janeiro de 2024, “a Polícia Militar (PM) abriu caminho para uma milícia rural atirar contra indígenas – incluindo idosos e crianças. Os próprios policiais também teriam efetuado disparos de arma de fogo.” Essa ação foi responsável pela morte da liderança indígena Nega Pataxó e a tentativa de assassinato do Cacique Nailton durante retomada do território Pataxó Hã-Hã-Hãe, em Potiraguá.
Confira: Liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe é morta por fazendeiros às vistas da PM da Bahia em reintegração ilegal

As investigações apontam que policiais militares estariam envolvidos tanto no assassinato de Nega quanto nos de outros três indígenas mortos entre 2022 e 2023, com idades entre 14 e 25 anos: “De acordo com o Ministério Público Federal e com as defensorias públicas da Bahia e da União, os agentes de segurança formavam uma milícia armada trabalhando como seguranças privados de fazendeiros nas horas vagas — o que é proibido por lei.”
Além dos indígenas, trabalhadores sem terra também são alvo dos ataques dos ruralistas. Conforme afirmou Lucineia Durães, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST), ao Brasil de Fato, os integrantes da organização “são aqueles bolsonaristas radicais que, ao serem obrigados a sair da frente dos quarteis, sair do meio das BRs, estão procurando um alvo. E eles entendem que o alvo somos nós, pelo que nós representamos: camponeses, comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhos, indígenas”.
Nova roupagem ruralista
O “Caderno de Conflitos do Campo Brasil 2023”, da CPT, aponta que “se a União Democrática Ruralista (UDR), fundada pelo governador de Goiás há quase 40 anos, foi protagonista de ações temerárias e violentas, a sua nova roupagem, o Movimento Invasão Zero, vem coordenando a organização dos grupos armados para atacar as famílias em luta.”
Os latifundiários utilizam táticas de agitação contra os povos em luta no campo, como fechamento de estradas, publicidade em outdoors e investimento na comunicação em redes sociais. Os materiais propagam fake news sobre as pautas dos movimentos sociais e tentam deslegitimar os direitos indígenas através da negação de sua ancestralidade.




As organizações populares observam com preocupação a movimentação do “Invasão Zero”, que ao realizar um fórum de caráter nacional tenta aumentar seu alcance, expandindo o número de integrantes, além de buscar o aval da opinião pública, através da falsa premissa da defesa de propriedades rurais.
Esta forte articulação de setores do agronegócio brasileiro tende a acirrar o cenário de conflitos no campo baiano, com aumento dos ataques a comunidades que buscam assegurar seus direitos fundamentais aos territórios de antiga possessão, respaldados pela Constituição Federal.
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