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CRÔNICA AO QUE FICA

Atualizado: 27 de fev de 2023


Venício Montalvão

A foto demonstra uma pequena mesa de madeira com dois livros, um notebook e um copo de café. Em frente à mesa, uma cadeira laranja e, ao lado, um chinelo de dedo e um tênis preto.
Quarto 212 de uma casa de retiros, Brasília-DF, 10 de agosto de 2022. Foto: acervo pessoal/Venício Montalvão.

No refeitório, me sento a frente de Fernando, com quem troco algumas palavras desprovidas de grande profundidade. São alguns minutos antes das 19h e já estamos com as mochilas prontas para a viagem de retorno a Bahia após 3 dias em Brasília. Vejo sair em direção à porta Fábio, membro da Rede Cerrado, advogado, que já integrou o MST e soube conversar comigo sobre a Consulta Popular e a conjuntura, inclusive me ouviu com atenção e respeito, mesmo sendo evidente seu gosto e capacidade de falar por muito tempo, sozinho. A tal conversa ocorrera na noite anterior, num boteco, após uns dez copos de boa cerveja. Ao vê-lo sair perguntei duas vezes, apenas sendo ouvido na última, se ele iria embora naquela noite. Respondeu que não e se dirigindo a nós emendou: – Deixa eu dar um abraço em vocês. A essa altura já estava na mesa também Paulo, de uma Casa Família Agrícola, salvo engano do Maranhão. Entre outras palavras que trocamos, Fábio disse algo como “rapaz, já tinha gostado (ou me identificado) com você ontem quando conversamos lá, mais ainda quando soube que está estudando Direito. Fiquei feliz de saber!” Respondi com um punhado de palavras cujo conteúdo expressava reciprocidade. Também me identifiquei com Fábio e gostei de conversar com ele. – Nem havia dito que estudava Direito. Ficamos conversando outras coisas e nem entrei no assunto. Mas fiquei feliz de conhecê-lo – eu disse. De fato. Só no dia seguinte à bebedeira, quando desenvolvíamos uma atividade simulando a produção de uma matéria jornalística, ao ser apresentada na plenária, a que foi produzida por mim e Fernando, e receber elogios, disse Terena, com quem também gostei de conversar no boteco e tive grande simpatia: – Denuncio que tem um profissional (da comunicação) na equipe. Ela descobriu que eu trabalho com comunicação na militância na conversa do boteco, na noite que havia passado. Não que isso faça de mim um profissional, com que brinquei: – Só se for profissional! Mas isso é de menor importância. Como Fábio sentara próximo de mim na plenária, havendo entre nossas cadeiras de assento azul e braço amadeirado apenas o espaço da porta, ele pergunta: – Você é formado em jornalismo? – Não sou formado! Estou fazendo faculdade de Direito – digo a ele. Suspendeu as sobrancelhas e fez movimento de afirmação com a cabeça, como quem fica alegremente surpreso. – Eu trabalho com comunicação na região lá. A gente vai aprendendo fazendo. Mas não tenho formação na área – eu concluí. – Bacana – ele respondeu, fez um jóia discreto e continuou o movimento de afirmação com a cabeça e a expressão de boa surpresa. Então, no refeitório, nos despedimos e sinalizamos seguir conversando. Ficamos eu, Fernando e Paulo e n’outra mesa outros dois companheiros, cujo nome não me recordo, mas sei, são membros de EFA. O Uber deles já estava a dois minutos, segundo um afirmou. Então nos despedimos. Restaram eu, Paulo e Fernando. O segundo conversando muito com o último, eu mais desligado, com mistura de cansaço e alguma preocupação em mente. Servi-me de um delicioso doce de mamão, que repeti mais uma vez antes de pedir às cozinheiras para levar pedaços da torta servida no jantar para viagem. Com a permissão, peguei 3 pedaços, enrolei em guardanapos e me dirigi até a saída do refeitório, por onde fui acompanhado por Fernando e Paulo até próximo ao elevador, onde os deixei conversando para ir buscar uma garrafa d’água e o celular que ficara carregando e a mochila. Na porta do elevador, após apertar 1 e notar que estava no 3°, aguardei pensando na hora e se corríamos o risco de perder o ônibus, já que nos fora alertado por Terena sobre o trânsito movimentado àquela hora. Sugeriu-nos jantar e imediatamente sair. O relógio registrava, salvo engano, 19h13 e o elevador abriu. Entrei, apertei o 3 e subi. Cheguei no andar, caminhei o corredor até o quarto 212 sem encontrar qualquer pessoa. Abri, entrei. Olhei minha mochila pronta sobre uma das camas, a garrafa d’água sobre a mesa próxima da janela, de onde observara as luzes da cidade, quase bestificado como João de Santo Cristo, e que havia sido meu escritório nos tempos livres durante o encontro, e o celular na mesma mesa, carregando por uma tomada debaixo dela. Olhei novamente o relógio e resolvi escovar os dentes. Com rapidez recorde, pois dissera a Fernando apenas ter ido pegar o celular e a mochila. O fiz. Escovei, enxuguei o rosto, guardei escova e pasta, recolhi celular e garrafa, pus as tortas enroladas em guardanapo numa sacola e sacola dentro da mochila. Fui à porta, que deixara aberta durante todo o tempo dessa entrada. Já quase totalmente fora, com a mão na maçaneta, a entreabri, a porta, para conferir se algo ficava para trás. Certo de estar com tudo quanto era necessário levar, tranquei a porta, andei até o elevador e antes de abrir a porta aproximou-se o amigo de Paulo, a quem perguntei se desceria. Ele confirmou. Abriu, entramos, apertei 1 e na descida breve trocamos palavras sobre a capacidade do elevador (“máximo de três pessoas ou 255 kg”) e o quanto outros elevadores suportam muito mais, inclusive funcionando apinhados de gente. Esse assunto sempre me remete ao único outro elevador que me recordo de ter utilizado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde realmente estava apinhado de gente e havia um senhorzinho sentado no canto, onde fica os botões, “operado a máquina”. Chegando ao térreo, abriu-se a porta, nos dirigimos até Paulo e Fernando, no mesmo local onde os deixei cerca de 10 minutos antes. Pedi o Uber nos despedimos de Paulo e dirigimo-nos às saída, onde já encontramos o carro. – Ué, veio rápido! – Disse Fernando. – Rápido mesmo! – Reforcei. – Estava aqui pertinho – respondeu o motorista. Entramos e seguimos, eu e Fernando, conversando sobre o encontro que agora deixávamos para trás, levando conosco apenas aprendizado, esperança e ideias. E por que não amizades?


Venício Montalvão, do Alto Sertão da Bahia, no município de Igaporã, é estudante, Militante do MAM e da Consulta Popular.

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