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ILHÉUS, 488 ANOS. AQUI SEMPRE TEVE LUTA!

Atualizado: 30 de mar. de 2023

Ilhéus, 28 de junho de 2022.

Aniversário da cidade.


Conta-nos certa historiografia que em 1536 foi fundada nestas terras a Vila São Jorge dos Ilhéos. “Jorge” é o nome do santo a quem resolveram homenagear em sua criação, Jorge da Capadócia, mas Jorge era também o fidalgo, Jorge de Figueiredo Correia, a quem o monarca dos invasores portugueses “doou” há 488 anos o território que compreendia 50 léguas costeiras com plena permissão para adentrar o continente. Esta mesma historiografia fala que o objetivo destas terras era servir o mercado europeu de açúcar e que esse empreendimento não obtivera o mesmo sucesso de outras capitanias como a da Bahia e a de Pernambuco. Culparam os povos indígenas pelo fiasco, povos que lutaram bravamente nesse território contra a expansão do domínio português; e é esse o espaço reservado para eles nessa concepção da história: o dos bárbaros que impedem o progresso ou o dos mansos desprovidos de vontade que simplesmente acatam as ordens vindas dos novos senhores destas terras.

Da descoberta da terra fértil, repleta de madeiras nobres e de caças, passando pelo deserto econômico que teria sido o ciclo do açúcar na capitania, esta historiografia dá um salto para o período do cacau, fruto que por fim viria a dar relevância produtiva à região. Dizem que foi por volta do século XVIII que as primeiras mudas foram plantadas na capitania, mas que só na segunda metade do século XIX a cultura passou a ser a maior fonte de renda para os latifundiários locais. Predominava no Brasil de sempre o modo de produção escravista, mas os trabalhadores e trabalhadoras submetidas a essa condição de trabalho não ocupam as áureas páginas do desenvolvimento da região, tendo a sua existência muitas vezes questionada – ou negada – pela historiografia que mencionamos.

Entendemos que essa narrativa foi construída com o fim de instaurar uma memória de passividade à classe trabalhadora, e que ela ainda é usada para impor um projeto de superexploração de trabalho, redução de direitos e de péssimas condições de vida para o nosso povo. E entendemos que é papel daqueles compromissados com a história e com a superação do atual estado de coisas apontar que a classe trabalhadora dessa região (a chamada cacaueira) não aceitou e não aceita passivamente esse projeto que tem como objetivo gerar riquezas para poucos a partir do trabalho de muitos.

É preciso que se diga: Ilhéus foi fundada e desenvolvida sob um intenso processo de exploração de trabalho e violência contra a classe trabalhadora, que plantou a cana, moveu os engenhos, cuidou do cacau e abriu as estradas. Em troca lhe foi dado o apagamento histórico.

Recordemo-nos dos conflitos para poder afirmar: aqui sempre teve luta! No processo de resistência ao trabalho forçado que tentavam impor os portugueses, ainda no século XVI, homens e mulheres Tupinikim foram assassinados e seus corpos estendidos na praia tornando vermelho o mar, como contam os Tupinambá de Olivença que anualmente saem em marcha para que o episódio não seja esquecido. Lembremo-nos da revolta indígena no engenho de Santana em 1602, levante que demonstrou a capacidade de organização dos trabalhadores indígenas contra o trabalho escravo a que eram submetidos. Da revolta no engenho de Santana de 1789, cuja carta de reivindicações expressa que a paz só seria possível se houvessem melhorias nas condições de trabalho, no direito à produção, ao descanso, ao lazer e à terra.

Lembremos também dos trabalhadores escravizados que desenvolviam uma arquitetura própria de sobrevivência dentro do modo de produção, a ponto de conseguirem formalmente as suas alforrias. Esta é uma grande característica da classe trabalhadora brasileira e sul-baiana em específico: a de descobrir formas de lutar por sua sobrevivência, mesmo que à margem da ordem dominante. É este mesmo povo que hoje se encontra nos morros que desmoronam com as chuvas, na beira do mangue exposto a doenças e alagamentos, morando nas ruas enquanto olham centenas de casas vazias, apertado dentro dos ônibus para girar a máquina da circulação de mercadorias.

Neste 28 de junho de 2022, o núcleo Revolta no Engenho de Santana da Consulta Popular parabeniza a classe trabalhadora ilheense pelos 488 anos de resistência. Acreditamos que ainda temos muito a avançar e esse processo se inicia nos apropriando da nossa história de luta, muita luta.

Núcleo Revolta no Engenho de Santana.

Consulta Popular.


XVIII Caminhada dos Mártires, 2018. Foto: Mateus Britto


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