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TRABALHO SEGURO E RENDA DIGNA: PELO DIREITO À VIDA DAS MULHERES!


Setor Nacional de Mulheres da Consulta Popular


Este texto é um convite aquelas e aqueles que entendem que a luta das mulheres não se resume ao mês de março, assim como a luta de negros e negras não se resume ao mês de novembro. Faz-se urgente e necessário darmos centralidade a essas lutas, por serem setores da sociedade brasileira que estão entre os mais empobrecidos e, ao mesmo tempo, os mais atacados pela política de Bolsonaro, podendo cumprir um papel prioritário na luta de enfrentamento ao neofascismo e ao neoliberalismo na sociedade brasileira.

Recentemente, comemoramos a vitória de nossas irmãs e de todo povo colombiano que, a partir de decisão do Tribunal Constitucional se constituiu no quinto país da América Latina a legalizar o aborto até a 24a semana.

Esta é uma conquista histórica para as mulheres e para toda a sociedade, pois trata-se de uma questão de saúde pública na América Latina, afinal países do capitalismo central há muito tempo garantem esse direito às mulheres. Além disso, sabemos que essa proibição carrega uma profunda marca de classe, visto que quem mais morre são as mulheres trabalhadoras e, principalmente, as negras, pois as mulheres que podem pagar acessam em clínicas privadas, o abortamento seguro.

Neste sentido, nos fortalecemos com essa conquista e somamos a todas que bradam: educação sexual para prevenir, métodos contraceptivos para não engravidar, aborto legal e gratuito para não morrer.

No dia seguinte, Bolsonaro, como principal expoente do neofascismo no Brasil, tuitou por inúmeras vezes, que essa conquista era uma grande aberração e que ele estaria sempre a favor da vida.

Mas que vida Bolsonaro defende? A das mulheres e do povo brasileiro é que não é! O programa da extrema-direita neofascista no Brasil opera uma política de morte em todas as esferas das relações sociais. Onde está a Secretaria Nacional de Mulheres com status de ministério para elaborar políticas públicas para as mulheres? Quanto hoje do orçamento da União é destinado para combater a violência contra as mulheres? Sabemos que de 2018 à 2021, a pasta teve uma drástica redução de R$ 35 milhões anuais para R$ 195 mil. A ministra Damares Alves vem sucateando as políticas públicas de direitos humanos e de enfrentamento à violência contra as mulheres, utilizando apenas 53% do orçamento destinado para o seu ministério, focando em outras demandas de outros setores que seu ministério abarca e abandonando a execução de políticas de combate à violência contra as mulheres.

No dia 7 de outubro de 2021, Jair Bolsonaro vetou a previsão de distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua na Lei Federal no14.214/2021, que institui a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Quando se trata do corpo das mulheres, o governo quer que estejamos sempre dispostas a ser mães, pois persegue até crianças vítimas de estupro que queiram acessar o direito ao aborto previsto em lei no Brasil. Mas o governo se recusa a garantir assistência mínima, como distribuição gratuita de absorvente, para garantir dignidade a adolescentes vulneráveis durante ciclo menstrual que é indispensável à saúde das mulheres.

O Brasil é o país no mundo onde, durante a pandemia, mais ocorreu morte materna em decorrência da contaminação pela covid. Um total de 911 parturientes que foram a óbitos de 1o de janeiro até 26 de maio de 2021. No ano de 2020, foram registrados 544 óbitos de gestantes, ou seja, no 5o mês do ano de 2021, aproximadamente duplicou-se comparado ao total de óbitos de parturientes, ocorridos no ano de 2020.

Estudos apontam que desde o início da pandemia no Brasil até o dia 10 de outubro de 2021, do total de 601 mil óbitos, 480.340 mortes poderiam ter sido evitadas, se o governo federal não tivesse violado o direito a saúde e o direito à vida conforme estabelecem a Constituição brasileira e tratados internacionais.

Além da perda desnecessária e precoce de milhares de brasileiras e brasileiros, do adoecimento físico e mental generalizado da população e das inúmeras pessoas vítimas da covid que sobreviveram, mas ficaram com sequelas profundas, temos também, como consequência da omissão de Bolsonaro, 113 mil menores de idade brasileiros órfãos que perderam o pai, a mãe ou ambos para a covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. Se consideradas as crianças e adolescentes que tinham como principal cuidador os avós/avôs, esse número salta para 130 mil no país.

Qual a resposta do governo neofascista a estas questões? Nós bem sabemos qual foi e é: incentivar a população a violar todas as orientações da OMS de contenção do avanço da pandemia, brecar as iniciativas de governos progressistas que buscaram combater o avanço da pandemia, postergar e superfaturar com a compra de vacinas, recomendar tratamento comprovadamente ineficaz ao coronavírus, difundir campanhas contrárias à vacinação das crianças. Essas e outra medidas, levaram a sociedade brasileira a se mobilizar nas ruas e a apresentar mais de 140 pedidos de impeachment do

atual presidente, bem como a CPI da pandemia a indiciar Bolsonaro por 10 tipos de crime, entre eles, emprego irregular de verba pública e crime contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos.

Como pode o neofascismo querer se fazer porta voz da “defesa da vida”, com a inflação em alta, 13,5 milhões de brasileiras e brasileiros desempregados, 19 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome, 116 milhões de pessoas convivendo com algum grau de insegurança alimentar e com o crescimento da violência em 2020, para mais de 50 mil mortes violentas intencionais? Como diz o ditado popular, é conversa para boi, ou melhor, gado, dormir.

O olhar mais minucioso sobre a violência contra as mulheres também nos permite perceber como somos as mais afetadas. 1 em cada quatro mulheres de mais de 16 anos no Brasil, ou seja 17 milhões de mulheres, sofreu algum tipo de violência - seja ela física, psicológica ou sexual desde o início da pandemia até maio de 2021. 4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isto significa dizer que, a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia do coronavírus. Do total de mulheres vítimas de violência, mulheres pretas experimentaram níveis mais elevados de violência (28,3%) do que as pardas (24,6%) e as brancas (23,5%).

Mulher recebe doação de alimentos com filho no colo.Praça da Estação, em Belo Horizonte-MG (2020). Foto: Pedro Vilela/Getty Images.

No que tange ao desemprego, a taxa é ainda mais elevada entre as mulheres que, em 2020, ano em que ainda não havia vacina contra o coranavírus, bateu o recorde de 16,8%, sendo que, para as mulheres negras, essa taxa foi de 19,8%. Sobre os efeitos da pandemia foram atingidas principalmente, as trabalhadoras domésticas que perderam 1,6 milhões de postos de trabalho e as trabalhadoras informais - exceto as do emprego doméstico - que caíram de 13,5 milhões para 10,8 milhões de postos de trabalho, ou seja, 2,7 milhões perderam seus postos de trabalho neste setor.

Quando investigamos alguns dados da situação econômica das mulheres vítimas de violência doméstica fica perceptível que a piora das condições de vida destas mulheres as deixou mais vulneráveis à agressão: 61,8% viram a renda familiar diminuir e 46,7% perderam o emprego. Soma-se a isso o fato de que 59,1% permaneceram mais tempo em casa e 68,2% viveram momentos de mais estresse em casa por causa da pandemia.

O crescimento da fome e da insegurança alimentar, além de serem reflexo do crescimento do desemprego no país, são também agravados pelo desmonte das políticas públicas dos governos de Lula e Dilma que tinham como finalidade o combate à pobreza. Exemplos como o Programa de Aquisição de Alimentos, Programa Nacional de Alimentação Escolar, e a defasagem e mudanças de critérios de contemplação no antigo Programa Bolsa Família, deixou aquelas que mais necessitam da assistência social do governo em situações mais graves de insalubridade, fome, violência e miséria.

Dentro desse cenário caótico de crise econômica, social, política e sanitária, precisamos encontrar saídas e semear a resistência, fortalecendo as lutas neste 08 de março, aprofundando nossa compreensão sobre a realidade, pressionando o poder público por soluções imediatas aos problemas que nos afligem, e principalmente, criando e fortalecendo a organização popular, em especial das mulheres trabalhadoras, pois é por meio da organização coletiva que encontraremos força para seguir lutando e ocupando a política, lugar central, onde devemos incidir para influenciar em mudanças profundas na nossa realidade.

Nossa incidência deve ser orientada por um programa feminista, antirracista e popular. A partir desta reflexão inicial, apontamos quatro temas que consideramos fundamental que sejam desdobrados em reivindicações concretas assim como asseguradas as políticas condizentes para que sejam modificadas a vida de todas as mulheres. São eles:

Quanto ao Trabalho, defendemos o fim da Reforma Trabalhista, com retomada de acesso a pelo menos dois intervalos de 30min para amamentação durante a jornada, como um direito inegociável das trabalhadoras; retomada e fortalecimento do artigo 384 da CLT, que garantia às mulheres intervalos de 15 minutos ao final da jornada, antes do início da hora extra, e acrescentamos que esse intervalo seja estendido para 30 min; bem como exigimos o fim dos Contratos Intermitentes, que põe em risco especialmente as mulheres da população negra, maioria entre as massas precarizadas, expondo-as a trabalhos análogos a escravidão.

Reivindicamos também a retomada do programa de “Restaurantes Populares”, que auxilie no combate à fome e contribua na socialização do trabalho reprodutivo. No mesmo sentido, lutamos pela defesa e fortalecimento de creches públicas e pelo desenvolvimento de um programa de construção de lavanderias gratuitas, com acesso irrestrito à população, e a adoção imediata de licença parental de 08 meses, em substituição à licença maternidade de 04 a 06 meses.

Quanto à Renda e a Seguridade Social, defendemos o fim da reforma previdenciária com restituição de todos os direitos e benefícios que vigoravam na lei anterior e exigimos que seja criado um dispositivo para que as mulheres que tiverem 30 anos de sua vida dedicada aos serviços domésticos e de cuidados para suas famílias tenham direito à aposentadoria, e, ainda, que os anos de serviços prestados como dona de casa, possam somar a qualquer outra atividade laboral para cálculo de aposentadoria.

Acrescentamos a nossas reivindicações a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos, Programa Nacional de Alimentação Escolar, como meios de gerar renda e combater a pobreza no campo e na cidade, bem como a atualização da base de cálculo e, por conseguinte, dos critérios de inclusão das famílias em situação de vulnerabilidade social em programas de assistência social (atualmente Auxílio Brasil) para que todas e todos as brasileiras e brasileiros com renda per capita inferior a meio salário mínimo possam ser beneficiada (os), bem como a desburocratização nos processos de cadastro e

recebimento do auxílio.

Pautamos ainda a necessidade da criação de políticas públicas de assistência social, geração de renda e capacitação profissional, em que sejam priorizadas as mulheres negras e com baixa escolaridade, bem como as que chefiam suas famílias em situação de vulnerabilidade social.

Quanto ao Direito à Vida, reivindicamos a efetivação da Lei Maria da Penha, com a retomada prioritária do programa “Casa da Mulher Brasileira” que visava a construção de espaços de acolhida e atendimento integrado para vítimas de violência em todas as capitais brasileiras; garantia de Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (DEAMs) em todos os municípios do país e dos mecanismos protetivos da Lei Maria da Penha, incluindo estrutura que garanta a Ronda Maria da Penha e atenda mulheres do campo e das cidades.

Defendemos também a criação de política de saúde integral para as mulheres, ampliando investimentos em saúde pública, para que em cada Unidade Básica de Saúde haja os equipamentos necessários para realização de preventivos, mamografia e ultrassom, que haja uma política de valorização do parto normal e humanizado e que sejam retomados a efetivação de programas do aborto legal e seguro.

Por fim, reivindicamos a revogação da Emenda Constitucional 95 que congelou o orçamento da união com serviços públicos por 20 anos, bem como defendemos a revogação da reforma do ensino médio, e a imediata retomada do Plano Nacional de Educação, e a garantia da autonomia universitária.

Estamos construindo um 08 de março em que as mulheres impulsionem lutas e organização permanente com vistas a superação do neofascismo e do neoliberalismo que assolam o nosso país. Mulheres são como água, crescem quando se juntam.


1 - Os dados mencionados no texto são do Portal da Transparência, Observatório Obstétrico Brasileiro - Covid 19, relatório conjunto do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), relatório da CPI da Pandemia, DIEESE, IBGE, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

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