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A ARTE DE RUA EM ILHÉUS

Atualizado: 22 de fev. de 2023

Helenna Castro


Parte significativa da arte de rua do Brasil é permeada por pautas sociais, como pobreza, racismo e violência policial, o que se explica pela tamanha desigualdade social à qual a população é sujeita. Em muitos casos, a forma de expressão mais acessível para essas pessoas se dá através da produção artística. Além do mais, passa-se por um momento histórico de ascensão do fascismo a nível nacional e a arte é uma das ferramentas de resistência e de educação de um povo.

Isso fica evidente na arte de rua em Ilhéus, em vários pontos da cidade se pode ver grafites inspirados em situações do cotidiano da classe trabalhadora. Em entrevista exclusiva para a Assembleia Popular de Ilhéus, quatro grafiteiros falam sobre sua experiência enquanto multiartistas e a realidade atual para o setor.

Ponte Jorge Amado (Ilhéus, 2022). Foto: Helenna Castro.

Dado Loko (@dadoloko), como é conhecido ALDO SILVA, grafita há cerca de 5 anos, tendo como mentor Rildo Foge. Nascido em Ilhéus, formou-se em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Santa Cruz. Há 22 anos trabalha com a produção de artes em camisas e já contou como parceiras de divulgação nesse setor com bandas como Adão Negro, Ponto de Equilíbrio, Mato Seco, O Rappa e Ministereo Público Sound System. “Fazia varal em eventos da universidade pelo país. A exemplo da Bienal da UNE e congressos estudantis.”

Arte de Dado Loko na ponte Jorge Amado, em Ilhéus. Foto: Helenna Castro.

Existem grafites seus por Ilhéus, Itabuna, Ituberá, Una, Canavieiras e Salvador. Seu nome é conhecido entre os moradores de Ilhéus, que podem ver sua arte em diversos muros da cidade, incluindo de estabelecimentos. Suas temáticas são voltadas principalmente à questão afro, aos artistas negros, à cultura do reggae e à natureza. Dado vê como maior objetivo da arte de rua atualmente a resistência.

Arte de Dado Loko em homenagem a Mãe Ilza Mukalê. Espaço do Terreiro Matamba Tombenci Neto, no bairro da Conquista, em Ilhéus. Foto: Reprodução do Instagram @dadoloko.

QUINHO FONSECA (@quinhoqnh), é artista gráfico, desenha, ilustra, anima, pinta, fotografa, pesquisa e tatua. Produz grafites desde 1997. É natural de São Mateus, distrito da zona leste de São Paulo, mas mora há anos em Ilhéus. Os locais onde mais grafitou foram as periferias e o centro de São Paulo, além de algumas cidades do interior do estado. Suas artes também podem ser encontradas em comunidades da cidade do Rio de Janeiro, em Porto Alegre- RS, em Salvador- BA, em Brasília-DF, em Xapuri- AC, no estado do Sergipe e na capital da Colômbia, Bogotá. Já participou, ademais, de exposições coletivas e individuais, principalmente em sua cidade de origem.

O multiartista pontua que “o graffiti não comercial tende a ser efêmero” e conta que a maiorias dos criados em Ilhéus “foram rapidamente apagados”, contudo “ainda é possível ver algum pelo centro, na rua do SAC, viaduto Catalão, alguns pela rodovia Ilhéus/Itacaré”. A arte de Quinho se volta, primordialmente para questões sociais e políticas. Ele acredita que hoje em dia a maior dificuldade do artista independente é “sobreviver”.

Arte de Quinho na ponte Jorge Amado, em Ilhéus. Foto: Helenna Castro.

Ok Quinho crê que “as trocas, informação, formação cultural, interpretação de imagem, interação social e territorial, conexão de ideias e pessoas, são muitos pontos importantes que fazem das expressões artísticas um alívio” para as rotinas dos artistas. “Pessoalmente gosto de pintar situações da minha realidade ou sobre realidades que observo, sobre tantas histórias e situações reais, esquecidas, injustiçadas, gosto de mostrar que estou vivo e incomodado. Acho importante questionar o que está estabelecido, buscando narrativas que evidenciem as injustiças aos oprimidos. Acredito que por isso também, muitas vezes meu trabalho é lido como pesado, e rapidamente apagado por algum indivíduo que se identifique com o opressor.”

Arte de Quinho no galpão da antiga Cesta do Povo, no centro de Ilhéus. Foto: Reprodução do Instagram @quinhoqnh.

A ilheense REBECA LAWINSKY (@rbk.lawinsky) é formada em Artes Plásticas, produz ilustrações e telas, mas declara que sua paixão é o grafite, arte que passou a praticar desde 2007. Além de exposições coletivas, já participou da criação de murais. “O meu trabalho de graffiti sempre gira em torno da figura da mulher, principalmente rostos expressivos”.

Na cidade de Ilhéus, já pintou muros na av. Canavieiras, no IME (Instituto Municipal de Ensino Eusínio Lavigne), na av. Soares Lopes, no Terminal Urbano e no Armário Coletivo no Pontal. Além de sua cidade natal, no estado da Bahia pode-se encontrar suas obras em Salvador, Cipó e Madre de Deus. Também grafitou pelo estado de São Paulo (São Paulo, Paulínia e Monte Mor) e no Paraná (Curitiba).

Para Rebeca, a maior desafio externo para se produzir grafites hoje é o preço do material. Ela salienta que existem outros empecilhos, pois a “arte de rua em geral enfrenta muita discriminação e desvalorização”.

Arte de Rebeca na av. Canavieiras, em Ilhéus. Foto: Reprodução do Instagram @rbk.lawinsky.

“Arte de rua é ocupação dos espaços públicos como suporte de determinada expressão do artista. Essa expressão pode transmitir a conversa de família, dos amigos, ou pode resistir e se opor ao que é imposto. Arte Urbana educa, instrui e embeleza. A arte pode ser política, mas para mim, ela precisa comunicar beleza. Em qualquer tempo ela é necessária e indispensável quando a sociedade se sente insegura. A Arte é voz”.

Arte de Rebeca na Pista de Skate de Monte Mor- SP. Foto: Reprodução do Instagram @rbk.lawinsky.

RILDO FOGE (@fogestreetart) é ilheense e produz grafites há mais de 23 anos. Desde a infância percebia a inclinação para a arte, mas não a enxergava como uma possível profissão futura. Atualmente cria artes de rua, modelagens de esculturas e designs para marcas. Já expôs desenhos, individual e coletivamente, e quadros em óleo.

Já grafitou em diversos locais do Brasil como convidado, a trabalho e em participações em eventos de grafite. Pode-se encontrar suas artes em várias regiões da Bahia, em Sergipe, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Rio Grande do Sul, em Goiás, em Santa Catarina e no Acre. Já grafitou também fora do Brasil, como em Cabo Verde, no noroeste de África. Algumas de suas obras feitas em Ilhéus ainda podem ser vistas, contudo outras foram desgastadas pelo tempo ou apagadas na gestão do atual prefeito. Rildo possui o projeto de criar novos painéis na cidade.

Arte de Rildo na ponte Jorge Amado, em Ilhéus. Foto: Helenna Castro.

Aborda temas diversos com sua arte e não gosta de estipular um estilo para preservar sua liberdade de criação, porém tem uma forte conexão com imagens humanas e animais, e em muitas produções opta por se utilizar desses elementos. Para ele, a maior dificuldade para quem vive unicamente de arte hoje é que se faz necessário “estar ativo sempre” para não se estagnar e se desiludir “pela falta de oportunidades e reconhecimento dos seus trabalhos.” Mas afirma que “as oportunidades quem cria é o próprio artista, por que ele tem que ser ousado e ser o provocador”. Segundo o grafiteiro experiente, “a arte sempre foi uma luta.”

Arte de Rildo em um muro no bairro Pontal, em Ilhéus. Foto: Helenna Castro.

Rildo aponta a grande importância da arte popular, em suas diversas linguagens, mesmo com todos “os perrengues” em cenários nada favoráveis. Lembra o fato de que muitos artistas “se repaginaram, se atualizaram” com as experiências e com o momento histórico. “Sou convidado a participar de oficinas de grafite e palestras, mas entendo que podemos melhorar ainda mais esse cenário, por que tem muita gente boa aí nas ruas, nas periferias e os trabalhos sociais são muito importantes.”




Helenna Castro é Comunicadora Popular e integra o Coletivo Brasil Vermelho.

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