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HERANÇA DE LUTA - OS MOVIMENTOS ORGANIZADOS QUE INSURGEM CONTRA O CAPITAL MINERAL NA CHAPADA DIAMANTINA

Atualizado: 3 de abr.

Taciere Santana


Comunidade da Bocaina, em Piatã, na Chapada Diamantina é uma das impactadas pelo avanço da mineração na Bahia.Foto:Taciere Santana

Aos olhos e corações dos apaixonados por turismo, a Chapada Diamantina se apresenta fortemente como um dos lugares mais desejados e visitados do Brasil. O território de identidade é composto por cidades como Andaraí, Mucugê, Lençóis, Palmeiras, Rio de Contas e outras. É organizado, dessa maneira, com 24 municípios, porque segue os critérios adotados pela Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) no que diz respeito às semelhanças ambientais, econômicas e culturais da região. Essas cidades possuem o comum da exploração de ouro e diamante nos séculos XVIII e XIX. Mucugê, por exemplo, foi a cidade da descoberta do diamante na Chapada, dando início ao ciclo de 30 anos de forte exploração nas lavras da pedra preciosa.


Durante o período colonial, cidades da Chapada foram foco na produção de minério, verificadas pela extensão da Estrada Real que cortava o território para o escoamento do produto. É visto também grande número de imóveis construídos nessa época e que hoje são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), tendo em vista o contexto histórico. Essas marcas do século XVIII são alicerçadas pela premissa da colonização: a exploração e segregação do povo negro.


Dentre as heranças do período de formação da identidade da Chapada Diamantina, se observa a grande incidência de comunidades tradicionais remanescentes de quilombo. São um total de 76 comunidades, segundo dados, de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre essas, estão as comunidades da Bocaina e Mocó, localizadas nas áreas de serra da cidade de Piatã. Essas comunidades passaram a ser exemplos de frente popular no contexto do conflito socioambiental. A comunidade está localizada nas proximidades da Mina Mocó, uma subsidiária da Brazil Iron Mineração Ltda, empresa privada com sede no Reino Unido. Moradores confirmam que a instalação da mina data de 2009 e que, desde então, passou pelo domínio de diversas empresas, ainda em fase de pesquisa.


Mina Mocó, na serra do Mocó em Piatã. Foto: Taciere Santana

Impactos nocivos nas plantações


Segundo Vanusia Souza, moradora da comunidade, uma das lideranças no Movimento SOS Bocaina e Mocó, o impacto mais expressivo passou a ser observado após a posse da Mina Mocó pela Brazil Iron. A partir do entendimento dos efeitos danosos, moradores convocaram reuniões para tratar de pautas que estavam desestabilizando as vivências do povo.


“Estavam fazendo muita poeira, o barulho era muito grande e tinham caminhões passando muito rápido em frente às casas. A gente estava ficando incomodado com isso porque a poeira estava presente nas plantações, na água, nos móveis, e o barulho à noite estava nos atrapalhando”, afirma Souza.

As dificuldades de organizar reuniões e mudanças das ações da mineradora revelam um paradigma bem comum entre as empresas no Brasil, em especial as privadas: a violação da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quando podem ser impactadas por empreendimentos, de qualquer natureza, a Convenção lhes garante o direito à consulta livre e prévia em que a comunidade possa expor seus pontos e solicitar revisões nos planejamentos das empresas.


Vale salientar que Bocaina é habitada há pelo menos 200 anos, segundo relatos dos moradores. Dentre as manutenções socioeconômicas, a agricultura familiar é historicamente a base da comunidade, passando de geração para geração.


Diante da complexidade em entender as especificidades do processo da mineração, a comunidade recorreu à justiça a fim de entender as possíveis irregularidades da empresa. Souza relata que inicialmente foi perdido um ano de luta, ao contratar um advogado que garantira não haver irregularidade e, consequentemente, não ser um processo passível de reivindicação.


O que se seguiu foram promessas de resolução com prazos nunca cumpridos, gerando nos moradores um sentimento de invisibilidade, os levando a tornar suas revoltas um manifesto público. “Depois desse episódio, procuramos outros advogados ligados aos movimentos socioambientais e é aí que eles pegam o caso e descobrem que a empresa estava totalmente irregular”, diz Souza. Daí insurge a primeira manifestação da comunidade sobre os impactos causados pela mina. A Brazil Iron não possuía licenciamento específico para operação, emitido pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Sua única licença era restrita à pesquisa, que prevê que esta deveria seguir os critérios adequados para aquela fase de extração.

Após essas descobertas, a luta se prolifera e é impulsionada pelo apoio dos movimentos populares. Souza expressa gratidão ao comentar sobre os laços que se formam na luta: “essa união de força tem feito a diferença. Por mais que a comunidade esteja organizada, eu acho que a gente não teria força para avançar tanto, igual avançamos. Porque cada conquista que a gente tem aqui é graças a essas alianças, essas parcerias. Eu sinto que desde a manifestação foi formando uma rede, uma rede tão bonita, e é graças a isso que a gente tá conseguindo os avanços”.


Recentemente a Agência Nacional de Mineração (ANM) aprovou dois relatórios de pesquisa na Brazil Iron, mesmo a empresa ainda estando em situação irregular junto ao Inema. A Mina Mocó continua legalmente impossibilitada de voltar as atividades, e o Inema se mostra como a última barreira a esse iminente retorno, uma vez que a mineradora já possui autorização para requerer a exploração de lavra emitida pela autarquia federal. Diante dessa nova pressão, a comunidade segue intensificando seus manifestos de repúdio e coletando apoios de diversos grupos e entidades.


II Intercâmbio de Agroecologia e Soberania Popular realizado em Itaetê. Foto: Coletivo de Comunicação MAM-BA

Padrão da mineração na Bahia


O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) é um dos apoiadores das comunidades afetadas pela mineração na Chapada Diamantina. O movimento traz em pauta a necessidade de autonomia das comunidades em relação às ações e projetos desenvolvidos nos territórios. Questionada sobre os impactos causados pelo mecanismo do capital mineral, a militante do movimento, Jaíne Miranda, traz que os efeitos danosos são observados tanto na ordem social, ambiental, econômica e da saúde.


Diante disso, o impacto mais perceptível está no quesito estrutural, uma vez que o setor é responsável por uma série de atividades de desmatamento que alimenta o mercado econômico exportador, enquanto os subsídios destinados a essa atividade não produz nenhum retorno positivo para as áreas e grupos afetados. Esses paradigmas são responsáveis por diversos episódios de expulsão de populações de seus territórios.


O MAM, ao fazer uma leitura dos avanços das pesquisas minerais no território da Chapada, pontua para uma reprodução do que já vem acontecendo em todo o estado baiano, em que mais da metade dos municípios possui processos minerários, sejam eles de pesquisa ou de extração comercial, principalmente devido ao apelo pela da transição energética.


“A realidade mineral da Bahia é desoladora. Por conta dos altos índices de procura por minerais, o mercado internacional está sedento por minerais, principalmente nessa época em que se fala muito em transição energética. Os setores de produção dizem que vão precisar construir torres para energia eólica, mas para isso é preciso muito minério, muita água; para construir placas solares, muito minério e muita água; a produção de carros elétricos também segue os mesmos critérios: muito minério e muita água”, diz Miranda, militante do MAM. Ela ainda acrescenta que “a realidade nossa se liga a uma realidade mundial”.

Movimento Salve a Serra da Chapadinha


A leste de Bocaina, em Piatã, e vizinha do Parque Nacional da Chapada Diamantina, está localizada a Serra da Chapadinha, com uma grande imponência em atributos naturais. A área que comporta a Serra é ainda um santuário no que diz respeito à grandeza hídrica do estado da Bahia.


A região compreende as cidades de Itaetê, Ibicoara e Mucugê. Uma área com poucos moradores, em que a maioria se encontra às margens do rio Una; são na maioria assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e comunidades quilombolas.


Nessas áreas de grande altitude, nascem e crescem diversos rios que alimentam intensamente a Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, responsável pelo abastecimento de mais de 50 cidades em todo o seu curso e da capital e região metropolitana. Recentemente, a ameaça às potências hídricas do território e degradação de fauna e flora, muitas vezes endêmicas, por meio da grande incidência de pesquisas do setor mineral, vem causando alarme na população e grupos de pesquisas socioambientais. 


Segundo integrantes do Movimento Salve a Serra da Chapadinha, a ameaça no contexto mineral já existe há algumas décadas, com processos de alvará de pesquisas desde meados dos anos 1980. Mas em comparação com os últimos anos é perceptível um pacote maior de incentivos para produção e comercialização de produtos oriundos da mineração.


“A partir de 2020, começou a ter mais mobilizações na exploração minerária, o pessoal começou a ter mais iniciativa, fazer as pesquisas e isso vem muito em convergência com a política do governo do Estado, de criação de ferrovias, para escoamento do minério, do Porto Sul”, informou um dos integrantes do movimento que pediu para não ser identificado. O Porto Sul é uma construção privada que promete ser um dos maiores complexos de logística do Nordeste e um dos mais importantes do Brasil.

O Movimento Salve a Serra da Chapadinha é pensado para a luta de proteção ambiental, tendo em vista o quanto a instalação de uma mineradora pode gerar de problemáticas para a região. O movimento ratifica que “é fundamental e emergencial a criação da Unidade de Conservação da Serra da Chapadinha para proteger essa região, em especial o fornecimento de água para milhões de pessoas, todos os contextos da biodiversidade”, disse um dos integrantes.


Diante disso, a população civil e políticos aliados propõem como solução emergencial que o governador Jerônimo Rodrigues assine o decreto e torne a Serra da Chapadinha uma Unidade de Conservação Estadual. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao governo da Bahia e à Agência Nacional de Mineração (ANM) que se cumpram ações de cuidado com os povos tradicionais, a partir da criação da UC.


O território de identidade da Chapada Diamantina não é cobiçado apenas pelo setor mineral, mas o que ocorre é uma confluência dos setores comerciais de produção, a exemplo do agronegócio e energias eólicas e solares. Diante disso, o Fórum Popular da Natureza problematiza o isolamento dos estudos da incidência de tais empreendimentos no território. “A gente está falando de mineração e às vezes a gente isola. Acha que é o único empreendimento grande impactando o patrimônio natural, mas no cenário atual temos licença para o agronegócio, complexos eólicos, e infelizmente o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e o Estado não têm uma avaliação de todas essas influências conjuntas”, pontuou Andréa Mostaço, integrante do Fórum.


Consultamos o grupo de pesquisa Geografar - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para explicar o que significa essa abertura massiva para as pesquisas minerais, que acontecem em todo o estado. Valdirene Souza, pesquisadora do grupo, trouxe o dado que o aumento das autorizações para pesquisa minerais no estado teve um salto de quase 22% das poligonais de autorização de pesquisa do setor, dentre o período de 2021 a 2023, até o mês de junho. Segundo Valdirene Souza, esse avanço sobre territórios marginalizados tende a aumentar o número de conflitos. “A gente observa que é um avanço muito rápido, e consequentemente vai se refletir no avanço nos conflitos. Porque a mineração por si só já é conflituosa. Desde o início das pesquisas já é possível observar os conflitos, uma vez que as comunidades já são afetadas desde a chegada da empresa, que muitas vezes não executam processos de escuta”, pondera Valdirene Souza.


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*Taciere Santana é militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração e estudante de Jornalismo.

***Entramos em contato com a Brazil Iron para que pudesse expor seus posicionamentos em relação às atividades da Mina Mocó. Entretanto, até a finalização desta reportagem, não obtivemos retorno. O espaço segue aberto


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